sexta-feira, 21 de outubro de 2011

As Artes de Pedro Seixas

Pedro é um aluno espetacular que tenho no colégio Isba. Entre suas qualidades, descobri que é um desenhista sensível e atento. Em cada linha do seu desenho, cujo tema é frequentemente a batalha entre os homens, é possível perceber a impressionante harmonia que permeia cada detalhe das cenas de destruição. Como se Pedro quisesse sempre nos dizer que, mesmo entre os escombros da insanidade humana, o belo permanece.



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

RENOIR, A CAVERNA DE PLATÃO E CHAUÍ


Adônis Cairo Costa



Um Renoir é um Renoir ou não é um Renoir. Posso fazer uma releitura da arte de Renoir? A meu ver, sim! Posso pintar algo meu, a partir de uma obra de Renoir e dizer que é um Renoir? A meu ver, não!
Faz muito tempo, discutíamos um texto sobre a Alegoria da Caverna de Platão quando fui surpreendido pelo comentário de uma colega a respeito da ferramenta que um dos prisioneiros da caverna havia fabricado para de lá sair. Argumentei que não achava interessante fazer referência à tal ferramenta por um motivo simples: Platão não fala de nenhuma ferramenta na conhecida alegoria. A colega argumentou que o filósofo falava, sim, e que a construção da ferramenta fora, inclusive, objeto de discussão num certo grupo de estudos em outra oportunidade.
Fiquei intrigado com a versão, até então por mim desconhecida. Meses depois, encontrei, num pequeno manual de introdução à Filosofia, um resumo da Alegoria que apresentava a tal versão. Passei a desconfiar de que se tratava de mais um desses ídolos do teatro (vide Francis Bacon), obra de algum autor pouco sério mais preocupado em contar historinhas que em aproximar os alunos (e não os “aprendentes”) do texto original.
No entanto, qual não foi a minha surpresa ao encontrar a tal versão “apócrifa” num livro da professora Marilena Chauí, que eu reputo de uma erudição acima de qualquer suspeita. Lá, a professora diz que “... abaixo do muro, do lado de dentro da caverna, há um fogo que ilumina vagamente o interior sombrio e faz com que as coisas que passam do lado de fora sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna” (Os grifos são nossos).
Façamos uma breve análise: se há uma fogueira no interior da caverna, como ela pode projetar a sombra do que ocorre do lado de fora para dentro da mesma caverna? Temos aqui, no mínimo, um problema de Física.
Platão, mais cauteloso e, talvez, por ser o autor da ideia, teve o cuidado de colocar a fogueira do lado de fora, o que, inclusive evitava que os seus moradores ficassem sufocados com o fumaceiro proveniente da tal fonte de luz, geradora das sombras.
Mas a professora não para aí. Fiel ao seu propósito de reinterpretar a obra platônica, sugere, explicitamente, que “um dos prisioneiros, inconformado com a situação em que se encontra, decide abandoná-la. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões. [... ]Enfrentando os obstáculos de um caminho íngreme e difícil, sai da caverna.”
Aqui, a meu ver, está o maior problema. A questão de como a sombra vai conseguir se projetar de fora para dentro com a fonte de luz no meio do caminho não é difícil de ser solucionada: um pouquinho de boa vontade e qualquer leitor atento, com um mínimo de senso comum percebe que o que houve foi apenas uma acidental (espero) alteração do local onde a fonte de luz deveria estar. No entanto, o deslocamento necessário para que o prisioneiro da caverna construa uma ferramenta é muito mais complexo: implica numa alteração do que Platão quer dizer com sua alegoria.
No texto original (na verdade, o que tenho é uma tradução para Português feita pela professora Maria Helena da Rocha Pereira), Platão diz: “Logo que alguém soltasse um deles, e o forçasse a endireitar-se de repente, a voltar o pescoço, a andar e a olhar para a luz, ao fazer tudo isso sentiria dor, e o deslumbramento impedi-lo-ia de fixar os objetos cujas sombras via outrora”.
Alguém poderá objetar, dizendo que não há grandes diferenças entre a versão da professora e o texto de Platão. É um direito. Eu, no entanto, penso que temos aqui uma distância abissal entre as duas “alegorias”: a de Platão remete à necessidade de que alguém nos tire da ignorância. O texto de Chauí parece querer insinuar que é possível sair da ignorância, sozinho. Considero a discussão a respeito de como alguém pode sair da ignorância bastante saudável. O que não considero saudável é colocar no texto do pensador uma ideia que não lhe pertence.
Há mais uma questão, e aqui assumo que estou fazendo meras conjecturas, apenas no sentido de entender as motivações da alteração empreendida pela professora: parece-me que o projeto do prisioneiro desenhado por Chauí é curiosamente semelhante ao projeto das filosofias romântico-libertárias que falam do homem que, tendo percebido as condições de opressão em que se encontra, constrói mecanismos de libertação e, em seguida, convida outros a fazerem o mesmo. Gosto de pensar que esta é a motivação da professora. Gosto de pensar que a motivação para a deturpação do texto de Platão é de ordem política. Gosto, mas não considero totalmente honesto.
A professora Marilena Chauí fez sua reescrita num livro didático, um livro para pessoas que, provavelmente, nunca tiveram acesso ao texto original. Por este motivo creio que seria mais elegante se ela apresentasse, primeiro, o texto do mestre Platão e, em seguida, sua releitura. Ficaria ainda melhor se ela, consciente como é do quanto vivemos enganados, aproveitasse seu texto para explicar que não devemos acreditar em todo mundo que diz ter vindo nos libertar. Dessa forma, poderíamos ficar atentos a grupos como os que hoje estão no governo, quando eles se anunciam como estando acima do bem e do mal. Assim, nós calaríamos, por exemplo, a boca dos intelectuais que insistem em afirmar que o grupo que está no poder é a melhor coisa que poderia ter acontecido ao Brasil. Ainda bem que a professora não pensa como esses intelectuais, senão eu ia achar que ela também ainda não saiu da caverna...
        


domingo, 2 de outubro de 2011

OS ALUNOS DE BACON, OU SOBRE COMO É FÁCIL PRODUZIR MENTIRAS

Estamos no limiar do século XXI. Esta é uma primeira mentira. O século XXI não existe, em si. O que existe é uma datação considerada a partir do evento Jesus Cristo. A Ciência acaba de ser sacudida em suas bases por uma notícia, no mínimo, preocupante: parece haver algo mais veloz que a luz. Se, e somente se isso for verdade (em tempo: verdade é a adequação do que se pensa com o que, de fato, ocorre), então, todo o alicerce da cosmologia contemporânea estará sob suspeição. Nas sacristias dos grandes templos da Ciência, o pau tá quebrando, para dizer o mínimo. As reações lembram o que ocorreu na Renascença, quando Galileu Galilei ousou afirmar o que alguns já desconfiavam ser verdade: a Terra não estaria fixa no centro do universo finito. Nos institutos de física do mundo inteiro, os professores mais velhos resistem e afirmam que deve estar ocorrendo algum erro de medição. Não descarto a possibilidade. Tudo é possível, menos nada, por uma questão de lógica.
Vamos ver o que nos aguarda. Agora, é esperar para ver! Eu, de minha parte, como não estou profissionalmente implicado nas consequências do resultado, torço irresponsavelmente para que o tal neutrino    (que eu não consigo ter a mínima ideia do que venha a ser) seja, realmente, mais rápido que a luz (coisa de uns 60 nanossegundos, segundo li, um absurdo de superação do recorde!). Talvez não seja tão mais rápido assim... uns 20 nanossegundos e as pessoas já saem por aí espalhando todo tipo de boato, eu hein!!
Por mim, não, como diz minha mãe. Frase estranha, difícil de analisar, mas que pode ser traduzida para Português urbano como "a mim, pouco interessa o resultado". Ou melhor: interessa sim, sobretudo se for um resultado que provoque muita polêmica... já imagino os físicos pulando das janelas dos centros de pesquisa, doutores sendo processados, famílias em desespero, um espetáculo!

XXX

Em muitas universidades baianas os alunos (isso mesmo, alunos) são proibidos por alguns mestres (isso mesmo, mestres) de usar a palavra "aluno" para se referir a... aluno. Parece um trava línguas, mas é a mais pura descrição de uma situação, no mínimo, sui generis.
Não conheço a origem do equívoco, mas o fato é que, por algum mal entendido, ou por obra mal intencionada de algum doutor em educação, começou a circular pelo país em geral e pela Bahia em particular, a crença de que a palavra "aluno" carregaria em sua etimologia uma negação da luz aos estudantes.
Segundo os "doutos" divulgadores dessa crença, o "a" de "aluno" seria um prefixo de negação associado à palavra "luno"  que seria uma forma latina do que, em Português traduzimos por luz (aquela que, coitada, parece ter tido seu recorde quebrado pelo tal neutrino que, já disse, não faço ideia do que seja). Tudo muito bem posto, se tudo fosse verdade: a-luno, portanto, seria, literalmente, sem-luz. 
Ocorre que, quando vamos ao dicionário de Latim, o que encontramos como "luno" é algo que nos remete a curva, arco, tal como os latinos, ou quem por eles, relacionaram as linhas curvas  às curvas (ou à curva) da lua. Nesse caso, e considerando que o prefixo estivesse correto, o nosso aluno não seria mais um  "sem luz" e, sim, um "sem curvas" (um reto????).
Se continuarmos, teimosos, a bisbilhotar o dicionário de Latim, eis que encontraremos, surpresa das surpresas, a palavra "alumnus" significando: criança de mama, menino, educando, discípulo!
O bom senso me leva a derivar a palavra "aluno" do vocábulo "alumnus", e não da etimologia inventada sabe-se lá por quem e sabe-se lá com que intenção.
O fenômeno, no entanto, é que muitos dos que hoje aceitam a estranha e inverossímil "etimologia" são pessoas afeitas à pesquisa, pessoas que não teriam qualquer dificuldade de ir ao dicionário de Latim para, pelo menos, verificar se a tal origem da palavra era confiável ou não. Porque não o fazem?
É aí que entra Francis Bacon. Segundo o filósofo, nós temos a tendência a acreditar no que os eruditos falam (o famoso ÍDOLO DO TEATRO) e nem nos damos ao trabalho de verificar se o que falam é bem fundamentado ou não. Para ser coerente, eu mesmo não recomendo a ninguém aceitar este meu texto sem dar uma boa olhada num bom dicionário de Latim. Já pensou se eu estiver inventando tudo isso?
E é aí que entram os neutrinos: não sei o que são, nunca vi um deles, mas os cientistas não só afirmam que existem como também, agora, que parecem mais rápidos que a luz. Verdade? Mentira? Queridos, vou dar uma olhada no meu dicionário de Latim. Se lá estiver escrito que neutrino (lá deve estar algo como "neutrimnus") significa "nova velocidade", então saberei com convicção que, sim, o neutrino é mais rápido que a luz.
Vamos à etimologia: "neutrino" vem da conjunção do prefixo grego "neo" que por desgaste de uso chega ao latim como "neu", mais "trimnus", que significa, tanto em Grego quanto em Latim, "velocidade" (daí derivam as palavras trenó e, mais tardiamente, trem, meios de transporte que se deslocam em grande...velocidade). Pegaram a ideia? Ora, se "neutrino" significa  originalmente "nova velocidade", isso indica que os antigos já sabiam que as tais partículas eram mais rápidas que a luz. Pronto: não só acabei de cunhar nova etimologia com ainda fiz uma sensacional descoberta de Arqueologia da Ciência.
Acabei de ler o texto para minha linda esposa Marta (ela sempre gosta do que escrevo...mulher sábia). Ela sugere uma outra brincadeira: imaginemos que a etimologia QUE EU INVENTEI começasse a circular por aí como verdade. E toda vez que um certo professor mal-humorado quisesse dizer que o aluno não tem velocidade mental, o chamasse de... atrino. O aluno, humildemente, perguntaria ao mestre o significado da palavra e ele, erudito, responderia: "o vocábulo atrino deriva da conjunção do prefixo 'a', que em Latim significa 'sem', mais 'trino', que em Latim significa 'velocidade'. Ou seja, você é um lerdo". O aluno iria para casa, buscaria a tal etimologia e descobriria que o professor estava "viajando na maionese". E, então, silente, diria de si para si mesmo: "Ele pode me achar lerdo, mas ele é que é um apedeuta!" (vocês não acham que eu vou dar a etimologia, acham?).

UNIVERSO

DOU UM DOCE A QUEM ADIVINHAR QUEM ESCREVEU ESSE POEMA... UMA DICA: FOI UMA ALUNA DO GREGOR... ACERTOU QUEM DISSE : CATARINA
VAMOS LÁ...

Mistérios contemplam pairando os ventre dos eternos castelos
que de luzes apenas enaltecem o vazio leito
Permitindo encobrir infinitos descobrimentos
Radiando tua graça a formar cores mágicas

Cores, misturas póstumas, agradável aos olhos da noite
Sabores, gostos finos e súbitos ao atempero celeste
Dores, somente arredio sentimento partilhados ao vento

Como é belo
Complexo sentir do prazer
Inexprimível, inexplicável melodia aos doces cânticos
Música admirada às estrelas silenciosas fritantes
Brilhante como o mais puro afano
Apenas o toque do tempo
Ao mestre algoz, trovador pulsante
aos beijos fulgosos entre a lua e o céu
A noiva-dama, esplêndida na glória da noite
o noivo radiante às extensões incabíveis
Imensuráveis...

Lança-se a toneladas de infinito
Delicadamente, seda ao cair sob o noivo
Este, ao acender sem alento o sol do seu corpo esvaira
Recebido a sua tão radiante roupa
Já é dia!

REFLEXÃO

MINHA ALUNA, CATARINA, DO GREGOR, CONTINUA ALIMENTANDO MEU BLOG COM SUAS REFLEXÕES POÉTICAS

Não quero ser testada
Não quero ser provada
E nenhum valor insignificante em minha vida atribuída
Apenas ser compreendida
Apenas ser ouvida!

Palavras, só o que posso usar
Somente me servem para explicar
Pondo para fora todo sentimento
Que para meu desespero, meu consentimento
Sou obrigada a aguentar

Sei que um dia não tardará a chegar,
Profundo entendimento que bastava
tal escondido, deturpado pela ignorância que resiste
Ainda sendo alimentada, insiste, persiste
"Todo mundo morre, mas nem todo mundo vive".
"As coisas nem sempre são o que parecem"
"É preciso buscar novos horizontes, o contentamento nem sempre nos levará ao conhecimento"

domingo, 5 de junho de 2011

EPISTEME

Este texto foi escrito por uma bela aluna, ANA CATARINA, do Gregor Mendel. É um daqueles presentes que a gente que trabalha com Filosofia às vezes recebe: ao fim de uma aula sobre Platão, ela se sentiu inspirada; foi pra casa e escreveu um poema. Eis o texto:



Não sei se pouco sei
ou se, de fato,
conhecimento vasto
em sua busca caminharei

Talvez seja,
talvez venha a ser
o que se sabe é pouco para compor todo o ser
cabe a Sócrates minha eflexão que define o saber
pois "sei que nada sei" é o mais complexo que se pode dizer

Não se atreva a simplesmente julgar
nos meus versos, mesmo inquietos
questão alguma faço de vir a agradar.

Só busca infame me detém
em sua busca quase infinita
meu desejo é ir além

O que não me cala
o que mantém minha luz
seja talvez certeza da minha existência
que se faz presente em minha sã consciência
e desperta-me curiosamente para a dúvida tão culminante
que vem a completar o sentido da vivência:
O saber que sabe é realmente o que se tem?
se o que se tem é infinitamente, vai além?
o que se sabe não é complexo
não define por completo o saber
pois o saber é muito além do que se sabe
é preciso muito esforço, querer saber.

Tal como diriam Sócrates e Platão,
pois, se acha que tudo sabe, se engana,
pois, no fim da escuridão sabedoria clama!
É preciso saber que para deter o saber
Não basta mero esforço, a não ser querer.
                                                                                    ANA CATARINA

domingo, 1 de maio de 2011

Sócrates era analfabeto?

Esta questão surgiu em sala da aula. Alguns alunos encontraram na wikipédia (todo cuidado é pouco) a informação de que Sócrates não teria deixado nada escrito pelo fato de ser analfabeto. Já conversei com pessoas estudiosas que acreditam piamente nisso. A questão não pode ser resolvida apenas a partir de opiniões. Os que defendem a tese de que Sócrates era analfabeto o fazem partindo de um raciocínio que parece lógico: quem não escreve é analfabeto; Sócrates não deixou nada escrito; logo, Sócrates é analfabeto. Sem querer tecer comentários a respeito do pretenso silogismo, precisamos, contudo, ficar atentos a alguns detalhes: o primeiro deles é que há uma diferença entre não escrever e não deixar nada escrito. Deixar algo escrito  significa, em linhas gerais, deixar para a posteridade algo de interessante. Alguns pensadores podem ter escrito coisas até interessantes, sem que seus escritos tenham chegado até nós. Não vamos perder tempo fazendo o elenco das inúmeras causas, quer de ordem antrópica, quer de ordem natural, para a perda de tais documentos.
Mas o fato é que Sócrates não deixou nada escrito, ou, se deixou, não chegou até nós. A questão, portanto, permanece. Como dissemos no primeiro parágrafo, o fato de não ter deixado nada escrito não significa que fosse analfabeto. Mas o bom senso nos obriga a admitir que também não significa que soubesse escrever. Nesse sentido, a elucidação da questão parece só ser possível a partir de alguma prova documental, ou, pelo menos, algum testemunho de contemporâneos de Sócrates a respeito de sua condição com relação à leitura e à escrita.
Ocorre que possuímos uma prova documental em forma de testemunho a respeito da questão. Esta prova se encontra no Fédon, obra em que Platão apresenta a versão de Fédon para o último dia de vida do mestre Sócrates. Transcreveremos, a seguir, o trecho que nos parece garantir que Sócrates, se não escreveu sobre sua filosofia, pode não tê-lo feito por qualquer outro motivo, menos por não saber escrever:

(...)Em seguida, Sócrates sentou-se no catre e esfregou com a mão a perna que fora libertada da corrente.
- É uma coisa muito estranha - disse - isso que os homens denominam prazer. Ela harmoniza perfeitamente com a dor que se acredita constituir seu contrário! Porque, se é possível que sejam encontrados juntos, quando se é objeto de um dos dois, deve-se esperar, quase sempre o outro, como se fossem inseparáveis. Creio que se Esopo tivesse pensado nisso,com certeza teria criado uma fábula. Diria que deus, sendo sua vontade reconciliar esses dois inimigos e não conseguindo, amarrou-os pelas cabeças, de forma que, a partir de então, quando um chega, o outro o acompanha. É o que estou sentindo agora, pois à dor que as correntes causavam a esta perna sobreveio o prazer.
- Por Zeus! - retorquiu Cebes, interrompendo-o. - Isso me traz à memória o que alguns, e também Eveno, me indagaram a respeito das fábulas de Esopo, que tu escreveste em metro cantado, e do teu hino a Apolo, e, ainda, qual o motivo de começares a escrever versos desde que foste aprisionado, tu que jamais os escreveste. Quando Eveno me perguntar isso, e tenho certeza de que o fará de novo, que desejas que eu lhe responda?
- Deves dizer-lhe a verdade - respondeu Sócrates - , que não pretendi tornar-me seu rival em poesia, porque sei quanto isso é difícil, mas simplesmente para encontrar a explicação de alguns sonhos e para obedecer-lhes, se porventura, era esse o tipo de música aquela entre as belas artes na qual era-me ordenado que me exercitasse. Pois ao longo de toda a vida tive o mesmo sonho que, sob diferentes formas, me recomendava sempre a mesma coisa: "Sócrates, dizia-me, "exercita-te na música". Eu sempre considerei esta ordem mero estímulo, como normalmente fazem os que participam de torneios, e pensava que esse sonho me ordenava a prosseguir vivendo como até então vivera e continuar no estudo da filosofia, que encerrava todo o meu interesse e que é a música mais sublime de todas. Contudo, em seguida à sentença, havendo a festa de Apolo protelado minha morte, julquei que talvez esse sonho ordenasse que me exercitasse nessa modalidade comum de composição musical, como os outros homens, e que, antes de abandonar este mundo, seria mais seguro para mim cumprir com meu dever ao compor os versos a fim de obedecer ao sonho. Iniciei com este hino ao deus cuja festa estava sendo celebrada; no entanto, depois, refletindo que para ser um poeta de verdade não basta saber fazer discursos em versos, mas que é preciso criar ficções, e, não me ocorrendoo nenhuma, trabalhei sobre as fábulas de Esopo, colocando em versos as primeiras que me vieram à mente. É isso que deves responder a Eveno, estimado Cebes. Saúda-o por mim e leva-lhe meu conselho de que, se for sensato, o melhor que pode fazer é seguir-me quanto antes, pois, ao que parece, é hoje que parto, já que assim o ordenam os atenienses. (...)


Parece-nos que o trecho é bastante elucidativo para a questão colocada. Pelo menos, temos um testemunho de contemporâneos de Sócrates que parecem não discutir a condição de alfabetizado do mestre.

Claro está, contudo, que tal discussão não pretende esgotar o tema, nem mesmo colocar qualquer juízo de valor em relação ao fato de Sócrates saber escrever ou não. Sabemos que na antiguidade havia escribas que possuíam bela letra e trabalhavam como copistas sem entender uma única palavra do que escreviam: eram desenhistas de letras, por assim dizer. Sabemos, também, que muitos sábios e poetas utilizavam o serviço de escravos para escrever, para registrar suas ideias que eram ditadas (escrever não era uma tarefa tão simples como é hoje). Evidente está que o poeta ou sábio que utilizava os serviços (trabalho braçal, mecânico) do escravo ou do escriba necessariamente deveria conhecer as letras para garantir que o que fosse ditado seria fialmente registrado.
O interesse da discussão é simplesmente histórico, o que não deixa de ser, também, uma homenagem ao pensador que se destacou por buscar fugir da simples opinião, buscando sempre a ideia que fosse mais de acordo com o que, de fato, ocorre.

sábado, 12 de março de 2011

tipos de falácia

Tipos de falácia

Falácia de relevância é aquela em que as premissas são logicamente irrelevantes para as conclusões.
  1. Argumentum ad baculum (recurso à força) – Equivale a substituir a força do argumento pelo argumento da força. Quando o pai pede para lavar o carro e o filho diz que está cansado, o pai diz que, então não poderá lhe dar a mesada, por exemplo.
  2. Argumentum ad hominem (ofensivo) – é o argumento utilizado contra alguém. Se não consigo admitir que a pessoa tem razão, digo que é um mau caráter, por exemplo, e que isso é suficiente para que ninguém nele creia.
  3. Argumentum ad ignorantiam (argumento pela ignorância) – defende que algo é verdade porque ninguém provou sua falsidade ou, ao contrário, que algo é falso porque ninguém provou sua veracidade. Num tribunal, não é falacioso devido ao princípio legal da presunção de inocência. Por exemplo, há pessoas que dizem que existem discos voadores e isso só pode ser verdade porque ninguém conseguiu provar que eles não existem
  4. Argumentum ad misericordiam (apelo à piedade) – consiste em apelar para os sentimentos do interlocutor, como no caso de um assalto em que, em vez de se discutir se há ou não provas suficientes contra o réu, busca-se sensibilizar os jurados, falando das condições de pobreza do réu, por exemplo.
  5. Argumentum ad Populum – consiste em sensibilizar o público mais com a eloqüência do discurso que com o seu conteúdo. Um exemplo é quando a propaganda diz que você deve comprar determinado produto porque “tá todo mundo comprando”.
  6. Argumentum ad Verecundiam (apelo à autoridade) – consiste em utilizar testemunho de pessoas de reconhecida autoridade para confirmar argumentos que nem mesmo estão ligados à sua área de atuação. As propagandas de produtos estão cheias de pessoas de uma área (atores, por exemplo, ou jogadores de futebol) confirmando as qualidades de um produto a respeito dos quais não são especialistas.
  7. Acidente – consiste em utilizar um argumento geral para um caso particular. Por exemplo, alguém pode se recusar a entrar em um restaurante porque na porta há um aviso proibindo a entrada de animais. A pessoa em questão pode argumentar: “se nenhum animal pode entrar, então eu, que não sou exatamente um vegetal, não posso entrar”. O que ocorre aqui é que a pessoa desconsiderou que o homem, no caso, é a exceção e, portanto, não pode ser atingido pela regra.
  8. Acidente convertido (generalização apressada) – por exemplo, uma pessoa que viu uma criança salvar a mãe porque aprendeu a dirigir ainda muito jovem pode pensar que todas as crianças devem aprender a dirigir.
  9. Falsa causa – Atribuir a um fenômeno uma causa irreal, apenas, por ter sido a causa atribuída uma ocorrência anterior ao fenômeno. Um exemplo é a pessoa pedir a Deus que lhe envie um ônibus e afirmar que foi Deus quem mandou porque o ônibus apareceu logo após o pedido.
  10. Petitio Principii (petição de princípio) – consiste em apresentar como premissa o mesmo argumento da conclusão , só que de forma não tão clara. Um bom exemplo é a afirmação de que é verdade que Deus existe porque isto está escrito na Bíblia e a Bíblia é a palavra de Deus, que não mente.
  11. Pergunta complexa – consiste em levantar questões que não permitem ao interlocutor uma resposta sem que se comprometa. O problema é que há mais de uma questão embutida na suposta questão única. Por exemplo, um professor que ouve de um aluno o pedido para aumentar as questões para uma determinada tarefa e faz a seguinte pergunta: responda apenas sim ou não, você quer que eu aumente  o número de questões e prejudique seus colegas? Ora, tal pergunta contém duas questões. O aluno pode querer mais questões e nem por isso querer prejudicar os colegas.
  12. Ignoratio elenchi (conclusão irrelevante) – é o recurso em que  a pessoa trata de um assunto que não é o ponto em questão, desviando a atenção do interlocutor, de forma que ele acabe aceitando o argumento principal por ter aceitado o argumento secundário. Um bom exemplo é o do promotor que, tentando levar o réu à acusação, gasta longo tempo discorrendo sobre os horrores da alma de quem comete um crime, sem se preocupar em provar que o réu é, de fato, um criminoso.

(Adaptado de COPI, Irvin M. Introdução à lógica. S. Paulo: Mestre Jou, 1981.)

quarta-feira, 9 de março de 2011

Raquel Sheherazade

http://www.youtube.com/watch?v=xY2BSJ6Xttg&feature=player_embedded

sobre o dia da mulher

Ontem foi o dia internacional da mulher. Do crime que culminou com a criação da data, nem se deve falar, senão para lembrar outros tantos crimes que foram cometidos, não apenas contra mulheres, mas contra quaisquer pessoas que não podem se defender.
Tenho amigos que não entendem a necessidade de as mulheres serem igualmente aquinhoadas quando o assunto é repouso em casa, distribuição de tarefas domésticas... experiências extra-conjugais. Entre mandar flores no dia em que se rememora a grande chacina cometida por industriais nos EUA e saber que as mulheres e os homens são dignos do mesmíssimo respeito e consideração, a diferença é abissal.
A esse respeito, lembro o mito dos andróginos, presente no Banquete, de Platão. Ali está uma das narrativas mais belas a respeito da igualdade entre os sexos. Como sabemos, segundo a narrativa, havia, no princípio, três tipos de sexo: o masculino, o feminino e o andrógino (andros=homem+gynos=mulher) como os seres eram redondos, não copulavam ente si, mas com a terra. E como eram fortes, possuindo quatro pernas, quatro braços duas cabeças, intentaram tomar o Olimpo de assalto ao que Zeus, prontamente, respondeu com uma ordem simples, mas eficaz: os homens (dos três sexos) seriam separados pelo meio, no sentido vertical (ufa!).
Assim, os de sexo masculino foram divididos em pares de homens, os de sexo feminino em pares de mulheres e os andróginos em pares de um homem e uma mulher. Separadas as metades, Apolo foi encarregado de curar as feridas do corte, juntar tudo numa costura perfeita, da qual ficou apenas um sinal: o umbigo. E para o lado do corte, a cabeça foi virada. Quando as queridas metades seccionadas (daí a palavra sexo)se encontravam, abraçavam-se e ficavam assim, sem comer, sem qualquer atividade, tentando desfazer a ruptura (o arrependimento só vem tarde). Acabavam morrendo de inanição. Zeus, então, com piedade das metades, ordenou a Apolo que colocasse os órgãos de reprodução para o lado do corte. Assim, quando os de sexo (metade) diferente se encontravam, podiam procriar entre si, gerando a nova descendência humana. E quando eram de sexo (metade) igual, podiam aumentar o prazer de estar juntos, embora em ambos os casos, nunca se poderia saciar o desejo intenso e natural de estar totalmente unidos. O legal dessa narrativa é que, além de valorizar a absoluta igualdade de condições existente entre os sexos, ainda deixa espaço para refletirmos sobre o absurdo de tecer juízo de valor em relação às pessoas que cultivam relações homoafetivas.

Fica, então, a reflexão: somos todos, TODOS, iguais, com pequenas diferenças que, agora separados, nos ajudam a reencontrar a querida outra metade (ou a cara metade, como se diz). E nos ajuda a compreender, também, que toda metade é cara, todo OUTRO deve ser querido. E nisso, que me desculpem os de sexo masculino, mas as mulheres são muito, muito hábeis: na percepção e na aceitação do diferente (quem sabe, um dia, a gente chega lá!)

pagando para entrar na rua

Às vezes, no meio de uma conversa aparentemente informal, surge uma ideia que se fixa na mente como "el musguito en las piedras". Estava conversando com minha adorável (e sábia) esposa (Marta), quando ela me lançou o seguinte petardo: "No carnaval da Bahia as pessoas pagam ingresso para entrar na rua". Aquilo me incomodou. É triste ver como as pessoas terceirizaram a festa. Penso nas bacantes, nas festas em honra de Dionisos, nos festivais da fertilidade. Imagino que, originalmente, os cultos da fertilidade eram populares, no sentido mesmo de serem construídos pelo povo e para o povo. Penso nas virgens das florestas das noites de quarto crescente na Cornualha. No Brasil, certamente haveria algo igual, não sei (calaram as vozes da narrativa oral do povo do Continente Antigo e começaram o silêncio pelo “batismo”: Novo Mundo. O homem sempre celebrou a vida, isto é arquetípico.
Atualmente, no entanto, parece que os sacerdotes da festa se tornaram os senhores não apenas do divertimento, ditando o que devemos fazer, mas também do espaço do divertimento, ditando onde podemos fazer o que eles decidem que faremos. É triste! Claro, há ainda (sempre haverá!) o espaço para o folião que não aceita ser "enredado" pelas cordas, qual Odisseu atado para resistir ao canto "nocivo" da sirenes. Sempre haverá o espaço para o folião pipoca. Mas a que custo?
A questão parece mais ampla que o simples debate sobre o modo como se organiza o carnaval. Parece que as pessoas já não sabem como fazer qualquer festa. Os pais contratam animadores para as festas infantis. Animadores? Então, as festas são desanimadas? Festas de crianças? Desanimadas? Parece um paradoxo, não? Faz-me lembrar Aldous Huxley com seu Admirável Mundo Novo. As pessoas tomavam o "soma" (que em Grego, significa apenas CORPO), um comprimido que dava...prazer. Lembro que no mundo pensado por Huxley a palavra "amor" era considerada obscena.
Dá medo! ...E o amor ficou obsceno, e a rua foi tomada por pessoas que pagaram para estar lá. E se você não pagou, pode ficar, mas tem que ceder lugar quando a horda dos pagantes invadir o espaço público agora pivatizado com a anuência do poder público, afinal essa é a terra de todos nós. E então, pergunto, como o Zorro da piada: nós quem, cara-pálida (será que ainda usa hífen?)?.

sábado, 5 de março de 2011

o voo da coruja

Humanos, mortais, criaturas! Eis que tomei coragem e criei um blog para tratarmos das coisas da filosofia escolar. Aqui vamos tentar cuidar do nosso dia a dia em sintonia com a Filosofia.
Um abraço
Adônis