quarta-feira, 9 de março de 2011

pagando para entrar na rua

Às vezes, no meio de uma conversa aparentemente informal, surge uma ideia que se fixa na mente como "el musguito en las piedras". Estava conversando com minha adorável (e sábia) esposa (Marta), quando ela me lançou o seguinte petardo: "No carnaval da Bahia as pessoas pagam ingresso para entrar na rua". Aquilo me incomodou. É triste ver como as pessoas terceirizaram a festa. Penso nas bacantes, nas festas em honra de Dionisos, nos festivais da fertilidade. Imagino que, originalmente, os cultos da fertilidade eram populares, no sentido mesmo de serem construídos pelo povo e para o povo. Penso nas virgens das florestas das noites de quarto crescente na Cornualha. No Brasil, certamente haveria algo igual, não sei (calaram as vozes da narrativa oral do povo do Continente Antigo e começaram o silêncio pelo “batismo”: Novo Mundo. O homem sempre celebrou a vida, isto é arquetípico.
Atualmente, no entanto, parece que os sacerdotes da festa se tornaram os senhores não apenas do divertimento, ditando o que devemos fazer, mas também do espaço do divertimento, ditando onde podemos fazer o que eles decidem que faremos. É triste! Claro, há ainda (sempre haverá!) o espaço para o folião que não aceita ser "enredado" pelas cordas, qual Odisseu atado para resistir ao canto "nocivo" da sirenes. Sempre haverá o espaço para o folião pipoca. Mas a que custo?
A questão parece mais ampla que o simples debate sobre o modo como se organiza o carnaval. Parece que as pessoas já não sabem como fazer qualquer festa. Os pais contratam animadores para as festas infantis. Animadores? Então, as festas são desanimadas? Festas de crianças? Desanimadas? Parece um paradoxo, não? Faz-me lembrar Aldous Huxley com seu Admirável Mundo Novo. As pessoas tomavam o "soma" (que em Grego, significa apenas CORPO), um comprimido que dava...prazer. Lembro que no mundo pensado por Huxley a palavra "amor" era considerada obscena.
Dá medo! ...E o amor ficou obsceno, e a rua foi tomada por pessoas que pagaram para estar lá. E se você não pagou, pode ficar, mas tem que ceder lugar quando a horda dos pagantes invadir o espaço público agora pivatizado com a anuência do poder público, afinal essa é a terra de todos nós. E então, pergunto, como o Zorro da piada: nós quem, cara-pálida (será que ainda usa hífen?)?.

4 comentários:

  1. Seu Adônis!

    Ótima iniciativa!

    Sobre o carnaval, acho que o comentário de Dona Marta não poderia estar mais correto. Hoje, carnaval, em Salvador, é festa pra rico. Virou um grande comércio.

    Sobre o hífen em "cara-pálida", acredito que não tenha, segundo a seguinte regra que pesquisei na net:

    Sem hífen diante de consoante diferente de r e s: anteprojeto, semicírculo.

    Forte abraço!

    Vitor Moura

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  2. Muito interessante a observação de Madre e muito bom o texto de Padre! Bom, a nós, que preferimos não pagar, resta catar mosquinhas, hehe!

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  3. Grande Mestre Adonis,
    “Es que digo”, que a grande viagem é andar na contramão do sistema, vivenciando o sobrenatural a ponto de se tornar o natural.
    Hehhhe.
    Grande abraço.

    Rodrigo Fraga

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  4. Pois é... Fiquei orgulhosa...!! Uma frase minha virou tema pra texto de um filósofo...kkk!! Não é um filósofo qualquer, é "Adônis"... aquele com quem eu tenho o privilégio de "filosofar" cotidianamente...Isso é muito para uma pobre mortal(sobrecomum ou comum-de-dois?)kkk
    Pois é... O carnaval de Salvador.Passou. E como tudo que passa, deixa marcas. Aqui estão elas: críticas dos que ousam querer uma festa popular e justa e saudades de quem não vê a hora de estar novamente nessa, que é a festa das festas... Assim é a vida e assim caminha a humanidade... E que venha os textos maravilhosos do meu Adônis! Beijocas!

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